Em 2010, o Museu de Arte Moderna de Nova York recebeu a retrospectiva da artista performática Marina Abramovic.
Particularmente, eu considero esse evento como uma das melhores retrospectivas de um artista da qual tenho notícia. E por um motivo bem simples: as obras se resumiam basicamente à presença da artista, o que, aliás, tornou-se o próprio nome da mostra (The Artist Is Present).
A mostra constituiu-se de uma única performance, cuja ideia é tão simples quanto portadora de uma espantosa carga de humanidade, poucas vezes alcançada em uma única obra.
A arte performática baseia-se no uso do próprio corpo do artista como suporte para sua obra. É uma estranha mistura de teatro e artes plásticas. Mas diferentemente de cada um dos dois, a performance raramente envolve representação de um personagem e a obra não se apresenta como um artefato físico, como, por exemplo, um quadro.
Nessa retrospectiva, a artista sérvia, famosa por criar performances que exploravam a questão da dor física, deixou em casa suas lâminas e isqueiros, vestiu-se com um vestido longo, liso e (na minha plebéia opinião) totalmente desinteressante e sentou-se numa cadeira no meio do salão. À sua frente, havia outra cadeira, mas vazia. Havia também, a principio, uma mesa entre elas, mas a artista pediu que fosse retirada.
A performance então se desenvolveu da seguinte maneira: qualquer pessoa que estivesse por ali, visitando o museu, poderia ocupar a cadeira vazia e olhar de frente para a artista.
Nesses instantes de silenciosa contemplação mútua, aconteciam basicamente duas coisas. Uma era a leitura que o visitante fazia da artista, outra, a leitura que a artista fazia do visitante.
Não havia diálogos ou qualquer tipo de abordagem objetiva entre eles. Eram apenas duas pessoas estranhas fitando os olhos uma da outra.
O que, a princípio, parecia ser mais uma performance “esquisitóide”, alcançou uma dimensão impressionante.
Uma imensa fila se formou para ocupar aquela cadeira vazia.
Nos poucos minutos reservados a cada pessoa, Marina a analisava com o total interesse de entender o que aquele olhar revelava, que tipo de alma ocupava o ser humano que estava diante dela.
A artista, sempre sentada e imóvel, chorou diante de alguns, sorriu diante de outros, aterrorizou-se com outros,… durante 7 horas diárias, durante 3 meses seguidos!
Ao final desse período, já haviam estado diante dela mais de 750 mil pessoas, de ilustres celebridades a ilustres desconhecidos, cada qual com sua própria reação, deixando escapar pelos seus olhares as suas próprias dores, alegrias, emoções, ou mesmo indiferença. Uma moça chegou a ficar nua diante da artista, causando certo alvoroço entre os seguranças do museu.
Foi, portanto, uma jornada exaustiva para Marina e até lhe rendeu o recorde de performance mais longa da história.
Foi uma empolgante retrospectiva. Ela colocou-se “de corpo e alma” para que as pessoas pudessem ver, pessoalmente, o ser humano que a vida e a trajetória artística haviam nela plasmado. E, mais do que isso, ela pôde observar como as pessoas, em sua diversidade, assimilavam esse ser humano que ela se tornou.
Observei, nesse caso, o quanto as pessoas possuem de sentimentos dentro de si e o tanto que o nosso dia a dia os represa, a ponto de ações tão simples como sentar-se diante de alguém resultarem numa válvula de escape de emoções profundas e sinceras.
Os grandes mestres da arte, cada um à sua maneira, sempre conseguiram fazer isso com as pessoas. Alguns rabiscando sobre um papel, outros dispondo tintas sobre tecidos, outros picotando pedras…
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